Como funciona a telemetria da Stock Car?
A telemetria e a aquisição de dados já estão presentes no automobilismo há algumas décadas e, a partir de 2025, a Stock Car Pro Series passou a contar oficialmente com essa tecnologia embarcada em todos os carros da nova geração (SNG). Entender como funciona a telemetria da Stock Car é essencial para compreender o envio de dados em tempo real, sua integração com o logger do carro e as aplicações práticas na engenharia de competição.
De forma simples, telemetria é o envio de dados em tempo real do carro para a engenharia. Mas você já parou para pensar como essa comunicação acontece? Neste artigo, vamos explicar como o envio dos dados ocorre, quais as diferenças em relação à aquisição de dados tradicional e por que o uso dessa tecnologia é tão relevante no motorsport.

Envio dos dados: do carro à equipe
Um carro de corrida moderno pode ter dezenas de sensores espalhados por diferentes sistemas: pressão e temperatura dos pneus, posição de pedais, rotação do motor, posição de volante, pressão de óleo, entre outros. Todos esses sinais são transmitidos pela rede CAN, que funciona como uma “espinha dorsal” de comunicação do veículo.
Esses dados chegam ao data logger, que registra tudo em uma memória interna para posterior análise. Até aqui, estamos falando apenas de aquisição de dados, ou seja, coleta e armazenamento.
A telemetria entra como um passo além: ela captura os sinais da rede CAN e os envia para fora do carro em tempo real. Historicamente, isso começou com transmissão via rádio, em que os engenheiros recebiam os pacotes de informação em antenas no autódromo. Esse processo era limitado em alcance e suscetível a interferências.
Com a evolução da telefonia móvel, a transmissão passou a ser feita via 4G e 5G, o que trouxe várias vantagens:
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Maior cobertura e estabilidade
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Capacidade de enviar dados a servidores externos
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Possibilidade de engenheiros atuarem remotamente, acompanhando carros de diferentes pistas
Um dos equipamentos comummente usado nesse processo é o Bosch LTE-65, que funciona como um modem de telemetria. Ele recebe os sinais do logger, utiliza um chip de celular e envia continuamente os dados para um endereço seguro na internet.
Na prática, isso permite que um engenheiro, mesmo a quilômetros de distância do autódromo, consiga acompanhar em tempo real parâmetros críticos do carro, ajudando a antecipar problemas ou tomar decisões de estratégia.

Segurança e confidencialidade das informações
Mas se os dados trafegam por todo o autódromo, não seria possível que uma equipe interceptasse as informações da outra?
A resposta é não. Os pacotes podem ser criptografados, o que garante que, mesmo que outra equipe “visualize” a transmissão, ela não conseguirá decodificar ou acessar o conteúdo.
Além disso, na Stock Car, há um detalhe importante:
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Os dados não vão diretamente do carro para a equipe.
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Primeiro, eles passam pela organização da categoria, que os retransmite às equipes.
Esse processo garante igualdade técnica e transparência, permitindo que a organização detecte falhas, desempenho anormal ou até possíveis tentativas de adulteração.
Telemetria vs. Aquisição de dados
É comum confundir telemetria com aquisição, mas são processos complementares.
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Aquisição de dados é o registro completo de todas as informações dos sensores, com alta taxa de amostragem, armazenados no logger do carro.
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Telemetria é a transmissão, em tempo real, de parte desses dados para a equipe de engenharia.
A principal diferença está na quantidade de informação e na taxa de amostragem. O logger pode registrar milhares de pontos por segundo, de todos os sensores disponíveis. Já a telemetria é limitada pela largura de banda da rede — não é possível transmitir tudo com a mesma frequência, sob risco de congestionamento ou perda de pacotes.
Por isso, os engenheiros precisam escolher quais canais são mais importantes para acompanhar ao vivo, priorizando variáveis críticas como:
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Velocidade
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RPM
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Pressão e temperatura de óleo
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Pressão de combustível
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Alertas de falha de sensor
Para entender melhor como analisar cada canal na prática, confira nosso artigo “Como interpretar um canal de telemetria“.
Outro ponto relevante é a resolução temporal. Enquanto a aquisição grava dados completos para análise detalhada no box, a telemetria oferece uma versão “resumida”, suficiente para monitorar a saúde do carro e dar suporte estratégico durante a corrida.
Esse equilíbrio é fundamental: a telemetria ajuda na resposta imediata, enquanto a aquisição permite uma análise profunda e comparativa depois do evento.
Em resumo: a telemetria salva corridas, mas é o logger que constrói conhecimento de longo prazo.
Diferença entre os protocolos UDP e TCP
Para entender como os dados chegam até a engenharia, é preciso conhecer os dois protocolos que fazem o transporte da informação pela rede: UDP e TCP. Ambos fazem parte da camada de transporte da internet, mas funcionam de formas bem diferentes.
UDP (User Datagram Protocol)
O UDP é conhecido como um protocolo simples, leve e rápido. Ele envia pacotes de dados sem verificar se todos chegaram ao destino ou se vieram na ordem correta. Essa “falta de garantias” pode parecer um problema em outros contextos, mas no motorsport é uma grande vantagem:
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Os pacotes saem do carro e chegam quase em tempo real, com latência muito baixa.
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Mesmo que um pacote seja perdido, a análise não fica comprometida, já que os dados seguintes chegam logo em sequência e os softwares interpolam os valores.
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É ideal para situações em que a velocidade de transmissão é mais importante do que a integridade absoluta da informação.
Por isso, categorias como a Stock Car priorizam o uso do UDP durante as sessões. Ele garante que engenheiros recebam dados vitais — como temperatura, pressão, velocidade e alertas de falha — quase instantaneamente.

TCP (Transmission Control Protocol)
O TCP, ao contrário, é o protocolo da confiabilidade. Cada pacote enviado precisa ser confirmado pelo receptor. Caso haja perda, o sistema retransmite os pacotes até garantir que todos foram entregues na ordem correta. Isso significa:
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Nenhuma informação se perde.
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O histórico é completo e ordenado.
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É a escolha natural para transmissões que não podem ter falhas, como envio de relatórios pós-corrida ou dados sensíveis para a organização.
O lado negativo é o custo: maior latência, mais carga de processamento e menor agilidade. Em uma corrida, esse atraso pode ser crítico. Imagine um engenheiro recebendo a informação de falha de pressão de óleo com 3 segundos de atraso — o carro poderia quebrar antes mesmo da reação da equipe.
Conclusão
A introdução da telemetria na Stock Car amplia significativamente as possibilidades de análise em tempo real, permitindo diagnósticos mais rápidos, suporte à estratégia e maior controle técnico da categoria.
No entanto, é importante lembrar:
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O envio em tempo real não substitui a aquisição completa do data logger.
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As limitações de largura de banda e a escolha do protocolo (UDP ou TCP) influenciam diretamente a qualidade e a confiabilidade das informações.
Dominar essas diferenças é fundamental para engenheiros e equipes que desejam extrair o máximo da telemetria — complementando a análise detalhada que continua sendo feita nos boxes.
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