O engenheiro de corrida, uma vez que tenha aprendido a analisar os dados e tenha conhecimento dos softwares, é capaz de trabalhar em qualquer categoria, visto que a teoria por trás da análise é a mesma. Entretanto durante os finais de semana de trabalho com motos é necessário se atentar a uma particularidade que esses veículos possuem.
É tudo uma questão de contato
Os pneus de motocicletas, assim como os de bicicletas, possuem variação do raio de rodagem (“rolling radius”) conforme se distanciam do centro em direção aos ombros . Esta variação existe para facilitar o movimento de rolagem do veículo, já que o equilíbrio das forças geradas durante uma curva depende, principalmente, do ângulo de inclinação em que ela se encontra. A outra variável que contribui para o aumento ou atenuação da força lateral é o Slip Angle.
Cada fabricante de pneu determina o formato do pneu de acordo com a aplicação a ser utilizada. Pneus dianteiros tendem a possuir um formato com o perfil mais triangular, enquanto os traseiros, um perfil mais quadrado. Para uma mesma aplicação e medida é possível encontrar no mercado diferentes circunferências, portanto todo novo pneu deve ser medido de modo a obter esta informação. Neste texto trazemos mais informações de como essas medidas e perfis alteram os parâmetros do veículo.
Relação de marcha x velocidade da roda
A partir do conhecimento das relações de engrenagens é possível determinar a relação entre a rotação do motor e a rotação da roda motora (Neste texto explicamos como é determinada essa relação). Supondo que a redução total em uma moto (virabrequim-embreagem, marcha, pinhão-coroa) seja igual a 10, e que o motor esta a 10.000 rpm, então a roda traseira estará girando a uma frequência de 1.000 rpm. Ao dividir “rpm” por 60, se encontra as rotações por segundo “rps”, o qual neste exemplo é 16,67 rps. Para um pneu que possua 318,30 mm de raio em seu centro, sua circunferência é de 2.000 mm (C=2*π*r), ou 2 m. Se o conjunto gira com uma frequência de 16,67 rps, sua velocidade linear será 33,34 m/s (V=Ω*r) . Convertendo para km/h, o resultado será igual a 120 km/h.
Até este momento, o cálculo da velocidade da roda motora é o mesmo para automóveis, entretanto com a inclinação, a velocidade e rotação serão alterados. Considerando que este pneu hipotético a uma determinada inclinação possua 286,47 mm (10% a menos que o raio da posição central) e refazendo as equações, se encontra que a velocidade linear seria 108 km/h, mantendo a relação de 10% a menos.
Todavia, ao inclinar a motocicleta, o veículo não perde abruptamente a velocidade, pois este possui uma inércia, logo sua velocidade deve ser mantida. Como a inércia da moto é maior muito maior que a das rodas, haverá um aumento da rotação da roda para que ela possua a mesma velocidade com que a motocicleta se movimenta.
Para 120 km/h de velocidade linear e 286,47 mm de raio, se encontra uma rotação de 18,51 rps, e que equivale a 1.111 rpm. Como a roda e o motor estão interligados, também haverá um aumento da rotação do motor, o qual será 11.111 rpm.
Comparando a roda traseira com a dianteira
A influência da inclinação da motocicleta altera a relação de transmissão final, logo se plotarmos um gráfico velocidade da moto X rotação do motor, não haverá uma relação linear entre os pontos aquisitados.
Todavia essa relação influência outra relação. O Slip Ratio, como visto anteriormente, é uma relação entre a velocidade da roda motora e a da roda movida. Neste caso, entre a roda traseira e a dianteira. Ambas as rodas terão um aumento de velocidade com a inclinação da motocicleta. Contudo, a taxa de aumento da velocidade das rodas não é idêntica, uma vez que os formatos dos pneus são diferentes. Logo, se o piloto inclinar a motocicleta em neutro, veremos o surgimento de um slip ratio que não é proveniente do destracionar da roda traseira. A diferença de formato e de medidas dos pneus leva ao surgimento de um slip ratio “natural”. A leitura do canal matemático contempla a diferença intrínseca junto do destracionar positivo ou negativo das rodas.
Este conhecimento deve ser considerado no momento de desenvolver um mapa de controle de tração, uma vez que haverá uma grande variação do slip alvo em função da inclinação e velocidade.
Visualizando este fenômeno da prática
O setor 3 do autódromo de Interlagos é composto pela curva da junção, curva do café e reta dos boxes. Após sair da junção, o piloto se depara com uma “reta curva” de plena aceleração. Neste momento há vários traçados disponíveis, sendo possível realizar uma trajetória mais contínua, longos trechos inclinados, ou uma trajetória mais retilínea, na qual o piloto deixa a moto na posição vertical por mais tempo e quando inclina, alcança valores maiores quando comparado ao outro traçado

Quanto maior for a variação de inclinação, maior será a variação da rotação do motor. Neste exemplo da câmera onboard do piloto Marcio Bortolini, é possível visualizar a queda de rotação, devido ao aumento da circunferência em contato com o solo, ao piloto colocar a motocicleta em pé após a curva dos boxes.
Aos 16 segundos do vídeo, a motocicleta em sexta marcha com 100% de acelerador quase alcança os 14.000 rpm, e logo após a rotação cai para 13.000 rpm quando o piloto a posiciona na vertical. Mesmo com a relação longa devido a sexta marcha e a maior circunferência possível, a rotação contínua a subir indicando que a motocicleta ainda tem um saldo positivo de potência (potência do motor – potência resistivas de arrasto e rolagem). A variação da frequência da roda também pode ser observada pelo velocímetro, o qual estava travado em 299 km/h (a velocidade da roda era maior que esse valor, porém o painel de rua originalmente é configurado para não exibir um valor acima) e depois diminui para 283 km/h e volta a subir até 289 km/h, instantes antes da frenagem.
Visualizando este fenômeno na análise de dados
A imagem abaixo apresenta os as rotações aquisitadas em função da velocidade da motocicleta em uma volta no autódromo de Interlagos. O canal marcha foi utilizado para melhor segmentar as aquisições.


Em 3ª marcha ocorre a maior variação de rotação, em rpm, para uma mesma velocidade, devido a uma curva do traçado apresentar altos valores de inclinação.

Estes gráficos demonstram que para analisar os dados de uma motocicleta cuidados específicos devem ser utilizados ao observar as informações provenientes das velocidades das rodas devido ao fato delas serem dependentes da inclinação do veículo, dimensões do pneu e formato do pneu.
No caso da comparação da performance de dois pilotos, pode ser mais interessante utilizar a velocidade do GPS, ao invés da velocidade das rodas. Caso se opte por trabalhar com as velocidades das rodas, a roda dianteira deve ser escolhida, por apresentar menores desvios em relação a velocidade da motocicleta.